CAPITULO 49
GUILHERME
Mesmo tendo-se passado três semanas, Guilherme ainda não entendia como a policia tinha baixado a guarda e o deixado escapar tão facilmente. A polícia sair toda do recinto da faculdade ficando apenas os dois polícias que o tinham ido buscar durante a tarde soou-lhe um pouco suspeito, mas fosse como fosse ele agora era um desertor, um dos fugitivos mais procurados do país. E essa era outra das preocupações de Guilherme naquela altura. Se ele era um dos criminosos mais procurados porque razão o seu assunto era pouco falado nos jornais. De vez em quando, com a cara o mais tapada possível, entrava num café e ouvia o noticiário, mas aquele assunto só se falara durante dias, a sua cara só fora divulgada pela televisão durante menos de uma semana. Mas nem isso era razão para dizer que estava seguro por isso estava a viver no sítio mais imprevisível que descobrira.
As três semanas não foram fáceis. Guilherme não poderia continuar em Lisboa, seria completamente arriscado. Não poderia voltar a casa, não poderia usar o seu telemóvel ou fazer movimentos na sua conta bancária. Tudo isso iria ser investigado pela polícia judiciária e se telefonasse a alguém podiam descobrir a sua localização. Também não tinha a quem telefonar. Estava completamente sozinho, antes ainda tinha Fernando mas no seu acto de loucura desfizera-se dele. Agora só se tinha a ele próprio. Quanto a dinheiro tinha ainda algum na sua conta mas se levantasse os agentes iriam saber facilmente para onde tinha fugido e isso era o que menos queria naquele momento.
Guilherme não fugira para longe. Na noite em que saíra da faculdade sem rumo não pensou em nenhum local para se esconder fugiu até à estação de comboios de Santa Apolónia e apanhou um comboio. Apanhou um comboio e parou em Vila Franca de Xira. Embora se encontrasse dentro da área metropolitana de Lisboa, Vila Franca de Xira era uma cidade afastada do centro da capital e um local onde Guilherme não tinha qualquer ligação com ninguém, por isso seria difícil procurarem naquele local. Para a polícia ele poderia estar em qualquer parte do país ou até mesmo ter-se deslocado para o estrangeiro, eles não iriam ter forma de saber para onde ele tinha ido. Nessa noite não sabia o que fazer, não sabia onde poderia pernoitar. Poderia ser numa pensão. Ainda tinha consigo algum dinheiro que daria para alugar um quarto por uma noite, mas não quis arriscar. Poderia ser facilmente reconhecido. Nessa altura a sua foto passava em todos os canais de televisão e poderia deitar tudo a perder. Então vagueou pela cidade até que chegou ao que restava da antiga fábrica de descasque de arroz. Estava abandonada há anos por isso não existiria ninguém para o ver. Uma noite passou a duas e duas passaram a três. Guilherme tinha encontrado o lugar perfeito para passar as suas noites, mas como iria passar os dias era outro dos seus problemas. Não podia andar pelas ruas ao longo do dia pois poderia ser reconhecido, mas tinha de se alimentar. Nos primeiros dias ainda conseguiu facilmente essa proeza, mas com o passar do tempo o seu dinheiro passou a ser uns míseros trocos. Sem dinheiro para comer Guilherme não tinha outra solução se não roubar. Mas roubar era um risco. Se fosse roubar a uma grande superfície comercial poderia ser facilmente apanhado dado o elevado nível de segurança que existia nesses estabelecimentos então restava-lhe o comércio de rua. Nos primeiros dias o seu alvo foram as pequenas frutarias que existiam no centro da cidade. As frutarias tinham na parte de fora alguns produtos frescos que eram os alimentos de eleição dele naqueles dias. Mas não podia viver para sempre apenas a comer fruta, tinha de fazer alguma coisa para mudar a sua vida. A sua vida poderia não estar da maneira que estava mas fora ele que traçara o seu destino e agora nada havia a fazer para alterar aquilo.
Um dia, quando se preparava para roubar mais uma peça de fruta para o seu almoço observou um rapaz que se preparava para roubar a mesma frutaria que ele. Via-o várias vezes a actuar da mesma forma que ele então quando o rapaz começara a correr Guilherme correu atrás dele.
- Espera! – Gritou ele para o rapaz quando se encontravam sozinhos num descampado. – Eu vi o que fizeste.
- E o que tem? És da polícia? – Respondeu o rapaz secamente.
- Não, muito pelo contrário. Roubaste-me o sítio que eu ia roubar!
- Ah e como ficaste tristinho vieste atrás de mim. Não achas que és um bocado velho demais para fazeres essas birras?
O rapaz parecia ser mais novo que Guilherme. Não aparentava ter mais de vinte e cinco anos. Tinha a barba por fazer e usava roupas rasgadas. Parecia ser um sem abrigo, tal como ele agora era.
- Não estás a perceber! Eu segui-te porque acho que poderíamos fazer uma parceria os dois. Eu estou exactamente na mesma situação que tu.
- Não me parece! Um rapaz com umas roupas tão boas não deve viver na rua como eu vivo. Estas ruas são a minha casa há anos. Duvido que seja a tua casa há mais de duas horas. Agora se não te importas eras capaz de me deixar comer a minha fruta em paz?
- E se roubássemos os dois. Eu ando um bocado farto de comer só fruta durante todos estes dias. E se enquanto um distraia o comerciante o outro roubasse o máximo que conseguia.
- Eu não te conheço de lado nenhum, porque haveria de ajudar-te ou ser ajudado por ti?
- Meu, eu estou a passar uma fase difícil, nunca me vi nesta situação. Nós os dois podemos ajudar-nos um ao outro.
O jovem ladrão estava reticente quanto ao ajuda-lo mas no fim lá cedeu. Foram os dois até ao centro da cidade e deslocaram-se até a uma mercearia.
- Agora tu distrais o comerciante e eu roubo o que conseguir! – Disse Guilherme baixinho.
- Ah sim?! E porque não é ao contrário? – Perguntou o rapaz.
- Aqui não te posso explicar mas quando te conseguir explicar logo o farei!
Entraram os dois na loja. Enquanto o rapaz abordava o dono do estabelecimento Guilherme foi ate as conservas e agarrou em tudo o que conseguiu até que o velho comerciante deu conta e os dois tiveram de se meter em fuga. Os dois correram o mais rápido que conseguiram embora o velho comerciante só os tivesse seguido um pouco mais longe que o final da rua onde se encontrava a loja. Quando chegaram ao descampado começaram os dois a rir-se como se fossem duas crianças.
- Afinal até foi divertido! Como te chamas camarada? – Perguntou-lhe o jovem ladrão.
- Guilherme. E tu?
- Lucas.
- Muito bem Lucas, até que fazemos uma bela equipa. Agora vamos comer, e nada melhor do que o meu lar doce lar.
Guilherme levou-o até à fábrica de descasque de arroz mas o rapaz não gostou muito da ideia. Dizia conhecer um sítio bastante melhor, o sítio onde dormia. Guilherme aceitou ir com ele e deslocaram-se sempre junto à margem do rio Tejo até encontrarem um barco abandonado.
- Haverá melhor lar que este? – Disse Lucas ao apontar para o barco. – Pena que o tenha que dividir com alguns ratos que insistem em ficar por cá.
- Não é perigoso morares nisto? – Perguntou Guilherme um pouco com receio de entrar no barco.
- Estás com medo que vá ao fundo? Vivo aqui há mais de dois anos e ele ainda não foi abaixo.
A primeira impressão de Guilherme quanto ao barco não foi a melhor. Era muito escuro e o cheiro não era o melhor. Parecia estar ali atracado há bastante tempo. Quando pôs os pés no chão sentiu que pisou o rabo de um pequeno rato que estava na embarcação. Mas Lucas poderia ter razão, aquele era o sítio ideal para estar escondido. A escuridão era o melhor refúgio para quem não queria ser encontrado. Guilherme abriu uma das latas de atum que tinha trazido da loja e começou a comer. Deu uma outra a Lucas e perguntou-lhe como tinha chegado àquela situação. O rapaz explicou-lhe que desde criança que passava necessidades. O seu pai era bêbado e batia-lhe. Essa história fê-lo lembrar-se do seu temível tio. A mãe do jovem ladrão também tinha problemas ligados às drogas. Um dia Lucas decidira sair de casa depois do seu pai lhe partir uma garrafa de vidro nas costas por estar zangado com a sua mãe. Dizia ter cicatrizes nas costas mas não queria mostra-las. Tudo porque tinha vergonha delas. Toda essa história fez Guilherme recordar a dele, como poderia haver outra pessoa que passara o mesmo que ele passara, que sentira o mesmo que ele sentira durante toda a sua vida.
- E tu? Como é que ficaste assim, um ladrãozeco de mercearias? – Perguntou Lucas curioso.
Guilherme contou toda a sua história. Sentia-se confortável ao contar as coisas ao rapaz, sabia que ele o compreendia. Contou dos maus tratos do seu tio e de como o matou, o que fez com Lilia e Gustavo e o que acabara por fazer a Otávia e Ivã. O rapaz ouviu-o até ao fim sem o interromper. Quando chegou ao fim o rapaz questionou-o.
- E pensas em vingar-te, acabares com aqueles que sabem o teu segredo.
- Todos os dias. Penso na forma perfeita para acabar com todos aqueles abutres.
- Olha que se acabares com todos acabas na prisão, é impossível fugires depois.
- Não acabarei na prisão se estiver morto também! – Declarou Guilherme.