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Nesta edição do Fantastic Entrevista, estamos à conversa com Marta Carvalho, uma cantora nascida no Porto com formação em música clássica e com experiência musical em orquestras. Participou no Fator X e ficou em 4º lugar no The Voice Portugal em 2016. Passaram-se 3 anos e o Fantastic quis saber mais sobre o seu percurso.
Começaste a cantar num coro de igreja aos 7 anos. Tens formação musical, tocas guitarra e clarinete. Quando é que percebeste que querias enveredar pela área artística?
Não me recordo de algum dia ter “escolhido” ser artista. Sinto que esta área me escolheu a mim. Aos 3/4 anos de idade eu cantava imenso pela casa, dava concertos diários para a família, decorava muitas letras de canções, e brincava com instrumentos. Os meus pais desde logo viram que tudo isso era tudo muito natural para mim. Tão natural que nessa idade eu pensava que toda a gente gostava de cantar. Foi por volta dos 7 anos, quando entrei no coro da igreja, que tive um momento muito pessoal em que percebi que a música era uma paixão minha, muito especial. Que não havia nada que me fizesse tão feliz, e livre. E a partir daí, até ao dia de hoje, não parei de viver em torno da música, de lutar por criar oportunidades, de estudar, treinar, ensaiar e atuar. 14 anos depois, olho para a jovem adulta que sou hoje, sinto orgulho, entusiasmo pelo futuro, e imensa gratidão pelos meus pais, por me aceitarem tal como eu sou. Mais do que ninguém, eles viram o quanto eu trabalhava por isto, e incentivaram-me a nunca desanimar em fases difíceis, e a nunca me esquecer do que vim ao mundo para fazer. Eles são a minha base. Acho que nunca vou conseguir agradecer-lhes o suficiente.
És natural do Porto. Foste viver para Lisboa recentemente para seguires o sonho da música. Sentes que, se não o tivesses feito, não te conseguirias afirmar como cantora?
Curiosamente, desde a adolescência que sentia que um dia ia mudar-me para a capital. Mas eu nunca acreditei que fosse tão cedo, porque parecia uma realidade muito distante da minha, por várias razões. Até que houve uma altura em que percebi que as viagens de comboio Porto-Lisboa já ganhavam a frequência de 3 vezes na mesma semana, e foi aí que percebi que estava na altura.
Com 19 anos deixei tudo, peguei nas minhas malas, arranjei uns móveis do Ikea para montar o meu quarto, e fui atrás do sonho. Sem amigos, nem “padrinhos” de lá. Só eu, e as novas oportunidades que foram surgindo. Na altura eu não senti que fosse um “big deal”, ou até que estava a mudar de vida. Porque era óbvio e natural para mim que eu fosse atrás do que me move. Hoje, quando revejo essa mudança, já vejo ali uma menina-mulher, e uma pessoa com coragem (acho que a herdei da minha avó materna). Sei que se ficasse no Porto teria mais obstáculos. Foi isso que me fez partir. Há ainda uma concentração muito acentuada em Lisboa, e mesmo assim, há poucos estúdios, poucas pessoas. É um meio bastante pequeno. Mas nenhum lugar me podia ajudar se eu não acreditasse em mim mesma. É o mais importante de tudo. Mais importante do que o lugar onde vives.
Tens investido muito na música ultimamente. Se por alguma razão não tivesses seguido esta área em termos profissionais, que profissão imaginavas ou gostarias de ter?
Tenho noção que sou privilegiada por saber desde tão cedo aquilo que eu quero para mim. Dediquei a minha atenção a desenvolver capacidades musicais e criativas desde a infância. E talvez por essa razão não consigo imaginar-me a trabalhar noutra área. Mas se por alguma razão não tivesse seguido música em termos profissionais, provavelmente estaria a criar um negócio meu, ou a estudar psicologia. No entanto, quando saísse, ia escrever músicas, cantar, produzir, estudar e ver concertos.
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Achas que a tua formação e experiência musical te podem permitir ir mais longe na música?
Confesso que quando entrei na indústria e comecei a lidar com produtores, songwriters e artistas, achei curioso que a grande maioria não tinha qualquer tipo de formação musical. Como eu passei tantos anos a estudar música, a tocar em orquestras, compor e etc, pensei que era muito incomum que os criativos não estudassem, pelo menos, o mínimo de formação musical. No entanto, no Pop, há malta que por si só, já é incrivelmente talentosa, e acaba por não precisar tanto disso, mas se estudasse formação musical, sem dúvida que exploraria muito mais o seu potencial. Porque na minha opinião, o trabalho árduo é mais importante do que o talento. E a musica Pop portuguesa seria muito mais rica se os envolvidos tivessem esse contexto e conhecimento.
Mas no que toca a atingir o “sucesso”, por muito que eu não quisesse que assim fosse, a indústria não funciona dessa forma, tanto para alguns produtores e songwriters como para alguns artistas, e muitas vezes, os números falam mais alto do que o talento e vive-se muito de aparências. No entanto, no que toca ao meu potencial artístico e às minhas capacidades, sei que essa formação me deu uma grande vantagem nas canções que escrevo e desenvolvo, nos arranjos de vozes que crio, na forma como canto, e até no que faço no palco. E todo esse estudo de vários anos, para além de me dar bases técnicas, conhecimento, e uma sensibilidade musical muito apurada, deu-me também muita disciplina. E no final de tudo, sinto que sou uma artista muito mais completa graças a isso. E nunca vou parar de estudar.
Porquê participar no Fator X e no The Voice Portugal? Achas que isso te abriu portas que não se abririam de outra forma?
Ambos os concursos foram boas escolas para me preparar como intérprete. O meu intuito era crescer, aprender, e ganhar confiança como cantora. Nunca olhei para eles como o lançamento da minha carreira. Porque esses programas não são feitos para os concorrentes, são feitos para o público. Os artistas não se fazem na televisão ou nas redes sociais, fazem-se no trabalho árduo que ninguém vê. Naturalmente que ambos me deram alguma visibilidade, e algumas pessoas passaram a saber quem sou. Mas as portas que se abriram foram todas pelo meu trabalho, e nenhuma por ter estado nos programas. Nenhuma das pessoas envolvidas nessas oportunidades me tinha visto na televisão antes, sequer. Apenas viram o meu trabalho.
Sabemos que tens um canal de covers e que durante algum tempo postavas vídeos regularmente. Porque é que deixaste de o fazer?
Tal como houve uma fase da minha vida em que estudei clarinete e toquei em orquestras, também tive uma fase em que quis desenvolver as minhas capacidades de interpretação, gravação, melhorar na guitarra, e ao mesmo tempo desenvolver uma audiência. Foram 2 anos de muitos uploads. E com uma recetividade que não estava de todo à espera. No total, penso que o canal tem quase 3 milhões de views. Mas foi quando comecei a compor, e a perceber que eu tinha mais para dar do que ser artista de covers, que eu percebi que estava a entrar numa nova fase e decidi parar. Preferi deixar o canal como está, para que todos possam ouvir e acompanhar o meu crescimento. A audiência que criei subscreveu o canal pelos temas dos seus artistas favoritos, não subscreveu vlogs da minha vida no estúdio, por isso deixei-o tal e qual como está. Mas tendo em conta que agora escrevo para muitos artistas, é possível que faça vídeos ocasionais de músicas que eu escrevi para eles.
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Como disseste, tens estado envolvida na produção de singles de outros artistas. O que te levou a optares por esse caminho?Comecei a escrever algumas músicas, e foram do agrado de alguns artistas e publishers. A minha Publisher (Great Dane) sem dúvida que me fez crescer muito e potencializar o meu songwriting e produção vocal. Foi a forma em que entrei na indústria. E como eu não tenho pressa, eu preferi também passar pela fase de compor e produzir vocals para outros, para me tornar ainda mais completa, e adquirir algum respeito ainda antes de me lançar como artista. Um pouco como fez o Bruno Mars, a SIA, ou a Jessie J.
Estás a pensar no lançamento de temas próprios? E um álbum de originais, está dentro dos teus projetos?
O processo de descoberta criativa e de criação de músicas para mim mesma tem sido muito intenso, emocional, incrivelmente benéfico, e estranho ao mesmo tempo. Tudo isto porque depois de escrever tantos géneros para tantas pessoas diferentes, acaba por ser complicado filtrar tudo para a minha identidade e escrever para mim. Felizmente, após 4 anos desta “procura”, finalmente encontrei o meu caminho e afirmei-me nele. Estou a preparar álbum, singles, videos, concertos, etc. Mas tudo com o seu tempo e a sua preparação, sem pressas, nem “olhares para lado”. Tenho 20 anos, e não tenho pressa.
Quais são as tuas principais influências musicais?
Atualmente são: Alicia Keys, Kehlani, Justin Timberlake, Prince, Ella Mai, Stevie Wonder, John Mayer, Jorja Smith, Sabrina Claudio, Ariana Grande, Tori Kelly, Beyoncé, Jarryd James, Khalid, Sam Smith, entre outros.
Com que artista português gostarias de colaborar e porquê? E se pudesses abrir um concerto para um qualquer artista internacional, quem escolhias?
Gostaria de colaborar com o Diogo Piçarra. Tenho uma admiração pela ética dele e pelo seu trabalho. E a uma certa altura gostaria de abrir um concerto para a Alicia Keys.
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Quais são as principais dificuldades que tens sentido em afirmar-te no mundo da música em Portugal?
Quando não há privilégios, há mais dificuldades. Como artista, encontrar a equipa certa para mim levou muito tempo (vários anos). Têm de ser pessoas boas, honestas, e que têm a mesma visão que o artista. Porque se não te definires, alguém te define por ti. E eu deixei que algumas equipas no passado me definissem antes de eu me afirmar a mim mesma. “Tens de te vestir desta forma”; “tens de cantar de outra forma”; “tens de escrever de outra forma”; “ninguém quer ouvir a tua experiência”; “tens de cantar para miúdas e raparigas da tua idade”, foram coisas que ouvi. Também pedi opiniões a mais, e por vezes eram completamente distintas umas das outras, e no meio de tudo isso eu já nem sequer sabia quem eu era. A uma certa altura, comecei dizer “não”. E a não pedir tantas opiniões, a não ceder a algumas coisas, e a relembrar-me aos poucos de quem eu realmente sou como artista. Agora tenho experiência suficiente para perceber que devo fazer o que é melhor para mim e para o meu público, não para os outros, junto das pessoas que compreendem a minha visão e acreditam nela.
Nesta área só resiste quem ama incondicionalmente o que faz. Levamos com muitas desilusões, rejeições, esperanças, injustiças. Não é fácil atingir estabilidade mental, financeira, e criativa. Ainda mais quando estou numa fase de auto-descoberta e me defronto com uma diferença cultural grande; e quando reparo que há mesmo muito poucas mulheres a trabalhar em estúdio e noutras sub-áreas da indústria. Subestimam-me e julgam-me muitas vezes por ser mulher e por saber o que quero. E isto tudo antes de lançar o meu álbum!
Finalmente, cheguei a uma altura em que estou a fazer música que amo, me identifico, com uma estrutura e uma equipa sólida, e mal posso esperar por poder lançá-la.
Que conselho dás a pessoas que queiram enveredar por uma carreira na música?
Tem a certeza de que é isto que queres fazer. Se for, começa a escrever muito, a estudar música, e a criar uma audiência. Deixa que a tua música te defina. Mais nada nem ninguém!
Se pudesses escolher apenas um livro, uma música e um filme, quais escolherias? E porquê?
Livro - O alquimista. - É talvez dos livros mais inspiradores para quem tem um sonho e quer lutar por ele.
Filme - O Rei Leão - Porque eu adoro animações e bandas sonoras, e este filme faz-me voltar a ser criança, inspira-me a ser mais criativa, e obviamente que tem das histórias mais bonitas.
Música - Sam Smith - Drowning Shadows - Dos meus temas favoritos de sempre!
Até onde gostavas que a música te levasse?
A conhecer o mundo através dela. E a poder chegar ao coração das pessoas e melhorar o dia delas.
Fantastic Entrevista - Marta Carvalho
Por Joana Sousa
Abril de 2019